quarta-feira, 19 de agosto de 2009

SAUDADES 2





Stella estava sentada na sala. Era inverno. Mas o maior frio que ela sentia vinha de dentro. Da alma. Jamais ela sentira tanto medo da tempestade, dos ventos gelados e da chuva. É que agora estava sozinha. Seu querido David havia morrido há 3 meses. Ela jamais poderia imaginar que sentiria tanto a sua falta.
Desde que o diagnóstico de câncer terminal chegara, ela se preparara para a morte dele. Ele também. Homem organizado, deixara toda a papelada em ordem. Dinheiro não lhe faltaria para as necessidades. Ele pensara em tudo.
Mas a ausência dele era terrível. Ao terceiro toque da campainha, ela se levantou para atender a porta. Antes, olhou pela janela, um pouco desconfiada. Afinal, havia tantos assaltos. Era um rapaz com uma caixa grande. Viu o carro de entregas estacionado em frente ao portão. Abriu a porta e o ar gélido entrou, tomando conta da sala inteira.É a senhora Araújo? –perguntou o funcionário.
Ao sinal afirmativo de Stella, ele pediu licença para entrar e colocou a caixa no meio da sala. Antes que pudesse indagar qualquer coisa, o entregador, jovial, foi explicando: senhora nos desculpe. Era para entregar somente na véspera do Natal. Porém, hoje é o último dia de expediente no canil. Espero que a senhora não se importe. Entregou-lhe um envelope, abriu a encomenda e retirou o presente: um filhote de cão Labrador. A carta explica tudo, continuou o rapaz. O cão foi
comprado em julho, quando a mãe dele estava prenhe. Ele tem seis semanas de
idade e é um cão doméstico. A senhora espere um pouco que vou buscar o
restante da encomenda. Largou o cãozinho e ele foi se sentar aos pés
de Stella, fungando feliz e olhando para ela. O restante da encomenda era uma
caixa enorme de alimentos para cães, uma correia e um livro Como cuidar de seu
cão Labrador. Stella continuava parada, estática. Acabara de reconhecer no
envelope a letra de David.Quando o entregador se foi, ela andou de volta até a
sua poltrona. Tremia inteira. O cãozinho ficou ali, olhando-a ainda com seus
olhos castanhos, à espera de um afago.A carta não era longa mas repassada de
carinho. David a escrevera antes de morrer e a deixara com o proprietário do
canil. Era seu último presente de Natal. Ele havia comprado o animal para lhe
fazer companhia. A carta era cheia de amor e lhe dava ainda conselhos e
incentivo para que fosse forte, até o dia em que voltariam a ficar juntos, na
espiritualidade. Ela olhou para o cãozinho e estendeu a mão para o apanhar.
Segurou-o nos braços. Pensou que fosse pesado, mas tinha o peso e tamanho da
almofada do sofá. O animalzinho de pelos castanhos lhe lambeu o queixo e se
aninhou em seu pescoço.Ela chorou de saudade. Ele ficou ali, quietinho.Então,
criaturinha, aqui estamos você e eu. O cachorrinho fungou, concordando,
pondo sua língua rosada para fora.Stella sorriu. Então, vamos para a cozinha
fazer uma sopa? Vou lhe dar ração e depois leremos um bom livro, juntos. Que
acha?
O cãozinho latiu e abanou a cauda, como se tivesse entendido
exatamente o sentido de cada uma das palavras. E acompanhou Stella até a
cozinha...